Estava sozinha no círculo onde iniciavam diversas trilhas. O sol queimava a vegetação rasteira empoeirada que teimava em nascer na planície beirando as estradinhas de chão. Para onde se olhasse não era possível encontrar um único vestígio de sombra àquele sol de meio dia. Ela se destacava como um ponto elevado em uma imensidão sem vida.
Definitivamente, era uma cena incomum para o garoto que andava em direção a ela. Naquela paisagem quente e monótona, chegava até a ser uma espécie de alívio descobrir algo que exercitasse a curiosidade.
Apesar de nunca ter visto um exemplar, tomou pra si, de imediato, que se aproximava de uma Seriema. Talvez a conclusão se desse pelo jeito desengonçado da ave, que muito combina com o desengonçar do próprio nome. De todo modo, não descartou a possibilidade de que fosse um Flamingo – e um Flamingo deixaria a história mais elegante quando a contasse em casa àquela noite.
A ave parecia não se incomodar com o avanço do garoto, e continuava a andar em pulinhos de cá pra lá, de lá pra cá, sem nunca deixar o círculo e sem tirar os olhos do comprido tronco fincado exatamente no meio do círculo de terra batida.
A curiosidade deu lugar a um sorriso no rosto do garoto, que interrompeu seu caminhar para divertir-se com as reboladinhas da Seriema. Notou que a ave tinha um corpo esguio, leve, asas grandes e, ao contrário do que o cenário poderia induzir, não tinha traços de desespero. Parecia apenas apreciar as diversas plaquetas pregadas no tronco.
A quantidade de informação fixada naquele tronco era enorme. Até ao garoto, que por ali passava todos os dias, impressionou a quantidade de lugares onde aquela encruzilhada poderia levar.
A rotina de tantos anos cruzando aquele ponto apenas para seguir o seu conhecido destino acabou por cegá-lo de tudo que não fosse o amarelo seco de seu caminho.
Lembrava que já esteve ali, como a Seriema. Na memória, foi buscar o dia em que avistou e parou diante daquelas plaquetas pela primeira vez. Quantos anos? Cinco? Seis? A cegueira parecia ter tomado conta dessa parte também. Tentou se lembrar o motivo pelo qual pegou o caminho – aquele que, agora, toma todos os dias – pela primeira vez. Mas só apareceu a imagem seca, infértil da sua trilha diária.
De todo modo, sabia que qualquer fosse a razão da escolha, ainda não a encontrara.
Não se lembrava mais qual era o seu objetivo naquele caminho. Apenas sabia que não o havia alcançado, e por isso voltara a ele todos os dias durante todos esses anos. De manhã, otimismo. À tarde, durante o percurso, calor e solidão. À noite, cansaço da volta para casa e o medo de passar o resto de seus dias fracassando tentativa após tentativa.
A Seriema – ou Flamingo – continuava a andar e balançar o rabicho, no que muito lembrava uma escolha. O garoto voltou de seus pensamentos trazendo inveja. Queria ele tirar de suas costas o peso da eterna rotina, da eterna procura, e voltar a ter a leveza de pássaro escolhendo todos os dias um caminho diferente.
Queria voltar a ser leve, flutuar. Por isso, seguiu seu velho caminho.
Voltou a se afundar no seu fracasso, agora em busca de asas.
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